quinta-feira, 22 de maio de 2014

AS MINORIAS DIFERENTES

Por Renato Janine Ribeiro 
http://www.renatojanine.pro.br/
Professor de Ética e Filosofia da USP
Uma das grandes questões, hoje, é a dos direitos das minorias. É praxe destacar três: negros, mulheres, homossexuais. Mas são “minorias” bem diferentes entre si.
Negros formam uma minoria visível. Quando eram escravos, bastava a cor de sua pela para mostrar que lhe pertenciam a um branco. Liberto eram exceção, e o ônus da prova cabia a eles, não para seus pretensos donos. No Brasil, tanto tempo depois de uma liberdade duramente conquistada, continuam fazendo parte, na maioria, das vezes, das classes pobres. Direitos dos negros são, em regra, direitos sociais. Entre eles e os negros, uma fronteira distingue os que têm direitos ou não, os que podem ascender socialmente ou não. E é óbvio que os negros incluem membros das duas outras minorias, mulheres e gays, que podem sofrer preconceito dobrado ou triplicado.
Já as mulheres estão presentes, por definição, em todas as classes da sociedade. Há negras, brancas, orientais; há pobres e ricas. O preconceito contra o negro alegava, no final da escravidão, que eles seriam uma raça inferior. Alguns abolicionistas, como Abraham Lincoln, pensaram em devolvê-los à África, entendendo que seu convívio com os brancos não funcionaria. Mas uma sociedade sem mulheres não seria possível ou, melhor, não teria continuidade. Houve e há perseguição a elas, com uma argumentação pseudobiologia de que seriam inferiores aos varões. Mas a mulher não é o “outro” no sentido do negro, porque é um “outro imediato”, constantemente presente na vida até o macho branco rico. Pode ser tratada como inimiga, mas é uma inimiga íntima.  
Além disso, as mulheres não são minoria em sentido numérico. Embora nasçam mais homem do que mulheres, a expectativa de vida deles é menor: elas tendem a ser um pouco mais numerosas na população. Tal condição permite entender a afirmação de Deleuze: “Minorias” não é um dado quantitativo, mas uma característica ou qualidade que se opõe aos valores dominantes de uma sociedade.  Um grupo étnico ou religioso pode ser minoritário no sentido numérico, mas também pode ser minoria quantitativa e minoria em termos de poder e ideologia. Assim é, ou foi, com as mulheres.
Para completar, os homossexuais. Estão presentes nos dois sexos e em todas as etnias. Não têm a mesma visibilidade de negros e mulheres. Talvez por isso várias sociedades elejam – inclusive a nossa” – certos gestos indicadores da homossexualidade, mas com isso só conseguem oprimir um garoto sensível, que é alvo de chacota mesmo quando é hétero (ou uma garota mais determinada, que não brinque de bonecas). Em comum com negros e mulheres há o fato de que uma falsa ciência biológica foi usada contra eles. Negros e mulheres seriam inferiores; já os homossexuais seriam um degradação. Na verdade, toda discriminação de minorias invoca alguma biologia fake.
Muitos homossexuais foram executados por órgãos judiciais como a Inquisição, até mesmo mais modernos, ou chacinados por multidões supersticiosas só por serem o que são (o que os aproxima dos judeus sob o nazismo, que eram assassinados pelo que eram, não pelo que tivessem feito). Geralmente, constituem uma minoria quantitativa. Pesquisa de meio século atrás sugeriam que seriam 10% em qualquer sociedade, o que, por sua vez, mostraria o tamanho da repressão sobre eles, com a maior parte tendo de se reprimir ou esconder-se. Essa porcentagem, hoje, não é levada a sério, mas serve para assimilar a dimensão do drama.

O que eu quis apontar com essa rápida tipologia? Que “minoria” não é uma palavra óbvia, que designaria uma realidade única. Uma sociedade pode ter muitas minorias – e trata-las de maneiras distintas. As próprias minorias perseguidas que mencionei distinguem-se entre si. E ficam duas questões para a próxima coluna: primeira, e nossos indígenas? Segunda, por que certas minorias, como os judeus e os orientais, hoje estão praticamente fora da discriminação que, no passado, as afetou de maneira brutal?