Por Renato Janine Ribeiro
http://www.renatojanine.pro.br/
Professor de Ética e Filosofia da USP
Uma das grandes questões, hoje, é a dos
direitos das minorias. É praxe destacar três: negros, mulheres, homossexuais.
Mas são “minorias” bem diferentes entre si.
Negros formam uma minoria visível. Quando
eram escravos, bastava a cor de sua pela para mostrar que lhe pertenciam a um
branco. Liberto eram exceção, e o ônus da prova cabia a eles, não para seus
pretensos donos. No Brasil, tanto tempo depois de uma liberdade duramente
conquistada, continuam fazendo parte, na maioria, das vezes, das classes pobres.
Direitos dos negros são, em regra, direitos sociais. Entre eles e os negros,
uma fronteira distingue os que têm direitos ou não, os que podem ascender
socialmente ou não. E é óbvio que os negros incluem membros das duas outras
minorias, mulheres e gays, que podem sofrer preconceito dobrado ou triplicado.
Já as mulheres estão presentes, por
definição, em todas as classes da sociedade. Há negras, brancas, orientais; há
pobres e ricas. O preconceito contra o negro alegava, no final da escravidão,
que eles seriam uma raça inferior. Alguns abolicionistas, como Abraham Lincoln,
pensaram em devolvê-los à África, entendendo que seu convívio com os brancos
não funcionaria. Mas uma sociedade sem mulheres não seria possível ou, melhor,
não teria continuidade. Houve e há perseguição a elas, com uma argumentação pseudobiologia
de que seriam inferiores aos varões. Mas a mulher não é o “outro” no sentido do
negro, porque é um “outro imediato”, constantemente presente na vida até o
macho branco rico. Pode ser tratada como inimiga, mas é uma inimiga íntima.
Além disso, as mulheres não são minoria em
sentido numérico. Embora nasçam mais homem do que mulheres, a expectativa de
vida deles é menor: elas tendem a ser um pouco mais numerosas na população. Tal
condição permite entender a afirmação de Deleuze: “Minorias” não é um dado
quantitativo, mas uma característica ou qualidade que se opõe aos valores
dominantes de uma sociedade. Um grupo étnico
ou religioso pode ser minoritário no sentido numérico, mas também pode ser minoria
quantitativa e minoria em termos de poder e ideologia. Assim é, ou foi, com as
mulheres.
Para completar, os homossexuais. Estão
presentes nos dois sexos e em todas as etnias. Não têm a mesma visibilidade de
negros e mulheres. Talvez por isso várias sociedades elejam – inclusive a
nossa” – certos gestos indicadores da homossexualidade, mas com isso só
conseguem oprimir um garoto sensível, que é alvo de chacota mesmo quando é
hétero (ou uma garota mais determinada, que não brinque de bonecas). Em comum
com negros e mulheres há o fato de que uma falsa ciência biológica foi usada contra
eles. Negros e mulheres seriam inferiores; já os homossexuais seriam um
degradação. Na verdade, toda discriminação de minorias invoca alguma biologia fake.
Muitos homossexuais foram executados por
órgãos judiciais como a Inquisição, até mesmo mais modernos, ou chacinados por
multidões supersticiosas só por serem o que são (o que os aproxima dos judeus
sob o nazismo, que eram assassinados pelo que eram, não pelo que tivessem
feito). Geralmente, constituem uma minoria quantitativa. Pesquisa de meio século
atrás sugeriam que seriam 10% em qualquer sociedade, o que, por sua vez,
mostraria o tamanho da repressão sobre eles, com a maior parte tendo de se
reprimir ou esconder-se. Essa porcentagem, hoje, não é levada a sério, mas serve
para assimilar a dimensão do drama.
O que eu quis apontar com essa rápida
tipologia? Que “minoria” não é uma palavra óbvia, que designaria uma realidade
única. Uma sociedade pode ter muitas minorias – e trata-las de maneiras
distintas. As próprias minorias perseguidas que mencionei distinguem-se entre
si. E ficam duas questões para a próxima coluna: primeira, e nossos indígenas?
Segunda, por que certas minorias, como os judeus e os orientais, hoje estão
praticamente fora da discriminação que, no passado, as afetou de maneira brutal?